segunda-feira, 9 de julho de 2007

o trabalho

O primeiro princípio moral é o direito do homem ao seu trabalho. […] A meu ver não há nada mais detestável do que uma vida ociosa. Nenhum de nós tem esse direito. A civilização não tem lugar para os ociosos.
Henry Ford

Qualquer trabalho é melhor do que nenhum.
Bill Clinton, 1998.

O trabalho tem cada vez mais a boa consciência do seu lado: o gosto pela alegria chama-se já `necessidade de descanso', e começa a corar de vergonha de si próprio. `Temos de fazer isto por causa da saúde', dizemos às pessoas que nos surpreendem num passeio pelo campo. Por este caminho, poderá chegar-se rapidamente ao ponto de não mais se ceder ao gosto pela vida contemplativa (ou seja, ao gosto de passear em companhia de pensamentos ou de amigos) sem desprezo por si próprio e sem má consciência.
Friedrich Nietzsche

A supervalorização do trabalho é produto direto e indissociável da visão cartesiana da existência, inserida no Capitalismo Tardio o qual estamos imersos. Quer dizer que, para manter a normalidade, o sistema (estado, mercado, mídia, religião e cultura) precisa entender como o mundo funciona, mas ainda não temos como calcular os tão complexos fluxos que regem nossa sociedade, o que se faz é tentar simplificar as relações humanas para que se possa calculá-las de forma linear. Isto gera o processo de “coisificação” do ser humano, onde o individuo deixa de ser uma unidade idiossincrática, um criador em si e começa a ser apenas uma peça do sistema.
Como o trabalho é uma leitura óbvia da atuação humana no mundo, diminuímos a importância das conquistas individuais como as intelectuais, morais e emocionais e começamos a considerar o trabalho como sendo o maior, se não o único, meio em que um indivíduo opera mudanças em sua sociedade.
Esta inversão de valores só acontece porque não é de uso comum a visão holística de humanidade, onde o ato de cada um reverbera para o todo. Perdemos nossa percepção do individuo com potencial gerador para o com potencial repetidor, que só retém a informação que é necessária em sua função. Não é de bom trato que um engenheiro goste de filosofia, ou que um político pratique escalada, pois não mais consideramos a profissão dos indivíduos como reflexo de seu eu, mas o oposto.
Além do flagrante processo de empobrecimento da alma humana temos também que enfrentar as conseqüências práticas desta ideologia insustentável no nosso dia a dia, mais uma vez caminhamos a passos largos para o agravamento da crise e nossa teimosia não nos permite olhar em outra direção. Vejamos:

  • há cada ano milhares de pessoas tentam entrar no mercado de trabalho,
  • mecanização e informatização dos processos, exclui milhares de empregos.
  • uma massa de desempregados se sujeita a trabalhar por salários ridículos,
  • multinacionais migram para o terceiro mundo atrás desta mão de obra barata.
  • alta produção a custo baixo, aumenta a diferença entre ricos e pobres.
  • o nível de estudo para todos os cargos, até os mais fundamentalmente simples tende a aumentar indefinidamente.
  • quem já tem emprego se vê obrigado a trabalhar muito mais por muito menos para se manter no emprego,
  • passa-se mais tempo trabalhando; precisa-se de menos trabalhadores,
  • portanto gera-se menos empregos...

A ONU estima que em 30 anos seremos pelo menos 9 bilhões de pessoas sobre o planeta, sendo que 90% desse acréscimo irá ocorrer nos paises do terceiro mundo, o que torna a continuidade deste modelo (econômico, social, político, etc) inevitavelmente desastroso. Para empregar todo mundo precisaríamos de uma produção descomunal de serviços e bens de consumo, precisaríamos de um consumismo monstruoso para absorver todos estes produtos e para sustentar tudo isso precisaríamos de pelo menos mais 4 planetas. Como isso não é possível, precisamos começar a repensar qual real papel do trabalho para nossa sociedade.